Tratando-se das dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita, vale ressaltar que essas são os maiores desafios dos profissionais da educação, especialmente dos professores os quais estão intimamente ligados a elas.
O professor, em sua formação, aprende a “dar aula”, de modo que ele se prepara apenas para ensinar e obter resultado satisfatório no processo de ensino e aprendizagem.
Todavia, a aflição surge quando esse resultado não acontece. Seu aluno “não aprendeu” o conteúdo aplicado.
A questão que mais assombra a mente do educador consciente de sua responsabilidade diante dessa situação é: ‘O que fazer para que os alunos que não corresponderam com os objetivos propostos aprendam?
No cotidiano escolar é a preocupação que mais assola o professor, pois ele é considerado na escola e fora dela o principal responsável pela formação do educando e os pais cobram excelentes resultados, afinal, a concepção que se tem é que “o professor está na escola para ensinar a ler e a escrever, portanto cabe a ele o desenvolvimento do meu filho”. É uma concepção não errada, porém limitada. A responsabilidade é do Estado, da Família e da Escola (LDBEN 9394/96).
A angústia da maioria dos professores alfabetizadores é tão intensa ao ponto de fazer com que eles não percebam que a superação desse conflito pode ser mais simples do que se pensa, partindo das próprias ações.
Segundo Weiss (2008, p.22), o fracasso escolar é causado por uma conjugação de fatores interligados que impedem o bom desempenho do aluno em sala de aula [sic], inclusive a atuação inadequada do educador.
Primeiramente, é importante ter claro a diferença entre dificuldades de aprendizagem e produção escolar momentaneamente prejudicada. [id]
O professor que consegue compreender essa dissociação já tem, o que se pode dizer, meio caminho andado.
É imprescindível que o professor alfabetizador faça uma análise das próprias ações no direcionamento do processo de aprendizagem do educando e reflita sobre as questões a seguir:
a) Por quê meu aluno não aprende?
b) A minha metodologia está adequada para a modalidade de aprendizagem dele?
c) O que ensino está de acordo com a sua realidade?
d) Estou dando-lhe atenção como espera e necessita?
e) Consigo perceber que meu aluno muitas vezes se comporta ‘inadequadamente’ como meio de desabafar e exteriorizar sofrimentos e sentimentos causados por um ambiente familiar prejudicado?
Weiss (2008), diz que “uma boa escola deveria ser estimulante para o aprender”. [sic] Cabe aqui também reflexão: ‘A escola é estimulante?’ ‘O professor incentiva seu aluno?’
Falando-se da educação psicomotora, os alunos têm os pré-requisitos básicos para a aprendizagem a partir do desenvolvimento psicomotor? Como é realizado o trabalho de psicomotricidade na escola? Há interdisciplinaridade?
Essas e outras questões promovem a idéia de que há muitos agentes causadores das dificuldades de aprendizagem. Entre eles está o modo de o educador conduzir o processo de ensino. A maneira como ele se relaciona com os alunos interfere profundamente na aprendizagem.
O relato a seguir é um exemplo de postura inadequada.
Numa classe de 3º ano um aluno apresentava sérios problemas de comportamento e aprendizagem. Causava confusões diariamente na sala de aula e durante o recreio. Todos os dias, praticamente, era levado à Diretoria.
Certa vez, ao retornar do intervalo adentrou a sala junto a professora e os demais alunos chutando mochilas que estavam ao chão. Os donos das mochilas começaram a reclamar em voz alta para a professora. Grande agitação aconteceu.
A professora aos gritos ordenou que todos sentassem e prestassem atenção ao que ia dizer. Ao mesmo tempo, foi-se aproximando do ‘aluno causador da bagunça’ com as mãos na cintura e ainda gritando disse: - Menino, o que é isso? O que você está fazendo? Que falta de respeito é essa? Já não chega a baderna que você apronta no recreio? Você gostaria que os colegas chutassem o seu material? (ele não tinha mochila, não podia comprar devido a situação sócio-econômica precária) – Na sua casa é assim também? As pessoas se chutam ou chutam as coisas?
O aluno, com raiva, respondeu olhando para o chão: - Chuta!
A professora se espantou, mas tentou não demonstrar mantendo o autoritarismo. Todavia, perguntou: - Ah é, como assim?
O menino respondeu com os olhos rasos d’água: - Meu pai quando chega bêbado, todo dia, briga com a minha mãe e chuta as coisa, o fogão, a geladeira, a parede, as porta... (fala real)
A professora ficou ‘sem graça’, porém tratou logo de baixar o tom da voz e disfarçar a falta de sensibilidade. Disse ao menino: - Tudo bem, mas aqui você tem que se comportar diferente! E isso serve para todos da classe. Vamos, terminem a tarefa em silêncio!
A aula transcorreu em clima agitado, o aluno ao invés de executar a tarefa solicitada desenhava e conversava com o colega que estava sentado na carteira ao lado.
A professora percebeu que ela agiu incorretamente. Foi simplesmente um momento, porém um momento delicado que traz conseqüências negativas às vezes para toda a vida.
Como o educador quer que os alunos não gritem se ele é o primeiro a gritar? Como ele quer ser compreendido se ele não compreende seus alunos? Como ele quer respeito se provoca medo? Afinal, para uma criança o adulto é um gigante. Pense na situação de aflição sentida por uma criança ao ver um gigante feroz se aproximando.
O fracasso escolar e a exclusão são evitáveis desde que o professor se comprometa a ajudar o aluno partindo da compreensão das reais condições do mesmo, respeitando as diferenças e a identidade cultural.
Antunes (2004, p. 33-35), enumera algumas ações para aulas inesquecíveis e afirma que “de nada vale inovar, criar, sugerir, inventar se essas ações não conduzirem à aprendizagem consciente, consequente, e, portanto, significativa”.
Rever ações didático-pedagógicas é fundamental para que haja práxis.
Gavaldon (1998) diz que: “o professor... é aquele que ensina, ajuda, constrói, vibra, ama, tem consciência de que vidas dependem dele, de que parte da humanidade, por ínfima que seja, está em suas mãos para ser construída, formada, para conseguir entender o mundo, seu meio, sua comunidade, sua família, para conseguir viver de maneira digna e se possível feliz...Contudo, se ele...simplesmente cumpre com sua obrigação, atura um bando de moleques malcriados, ganha uma miséria para se matar de trabalhar etc, etc., etc...Certamente, está tirando o direito de alguém de se tornar um cidadão”.
Ensinar é arte e todo artista educacional tem criatividade, ousadia, perseverança, otimismo e, caso pense que não tem, deve ir em busca de tudo o que lhe cabe: aprender a observar, pesquisas, conhecimento.
O bom professor tem o que pode ser chamado de ‘jogo de cintura’, pois por mais que se saiba que na sala de aula existem sucesso e fracasso, é necessário estar sempre atento e preparado para enfrentar os problemas que lá surgem, os desafios.
Imagine a seguinte situação: Um educador passou tarefa para casa, mas ocorreu chuva muito forte e a casa de uma aluna ficou alagada. A família perdeu muitos objetos inclusive os materiais escolares dos filhos e mesmo assim a aluna fez a lição num papel de pão amassado, aqueles tradicionais saquinhos. Como deve agir o educador ao receber a tarefa da menina? Há professores que não aceitam e ainda ridicularizam a aluna, constrangendo-a.
Cada dia é único, cada momento é único, cada ser é único.
O professor que sabe ver além das aparências e compreende a individualidade e as modelagens de aprendizagem a partir da própria vivência enquanto aluno, pode fazer a diferença.
A escola deve ser acolhedora, motivadora. A proposta pedagógica deve ser avaliada periodicamente e revisada de modo que seja possível elaborá-la de acordo com a necessidade do educando.
A parceria entre escola e família se faz necessária para garantir aprendizagem significativa.
O espaço escolar exige intervenção preventiva não apenas com o aluno, porém essencialmente com o professor que muitas vezes ou quase sempre pede socorro.
O aprendente quer oportunidade para se expressar, mas nem sempre manifesta esse querer como espera o educador. O aluno então pode se comunicar e chamar a atenção por intermédio de comportamentos indisciplinados. Indisciplina não significa falta de vontade e de interesse e sim um sintoma, um termômetro revelador de problemas os quais alguns podem ser resolvidos pelo professor, se ele assim o quiser.
Um professor opressor, que não promove o diálogo, que se mostra superior, faz com que os alunos se tornem incapazes de pensar. Os educandos fazem a distinção entre o bom professor e aquele que não é muito comprometido com sua função’. Eles são atentos, sensíveis, participativos, capazes e querem ser indagados. (Russo & Vian, 2001)
Molcho (2007) diz: “O professor deve conscientizar-se de que o comportamento das crianças, mesmo em idade escolar, ainda é determinado pelo hemisfério direito do cérebro. Sua capacidade de retenção ainda se organiza no sentido do todo. As crianças agem muito mais pelos sentimentos do que de maneira analítica e lógica.
Aos poucos, elas aprendem a usar o hemisfério esquerdo do cérebro, o pensamento analítico...”, e ainda, “...quanto mais prazeroso for o aprendizado – como quase sempre descobrimos mais tarde na vida -, mais fácil será a assimilação das informações, quer ligadas a temas concretos, quer abstratos.”
A aprendizagem é possível, desde que instrumentos, ações e ambientes alfabetizadores sejam adequados ao processo educacional.
O modo de o professor agir e se dirigir a um aluno interfere profundamente na aprendizagem. Ele deve ser sentinela do próprio comportamento, pois tanto pode elevar como destruir a autoestima do educando.
É fundamental que se estabeleça relação de afetividade na sala de aula.
O ambiente escolar precisa ser agradável e causar bem estar.
Um clima afetivo e equilibrado emocionalmente favorece o processo de ensino e aprendizagem.
Elogiar, sempre. Negligenciar, jamais!
Noêmia A. Lourenço
“O que faz as coisas difíceis parecerem fáceis é o educador.” (Emerson, filósofo)
BIBLIOGRAFIA REFERENCIAL E COMPLEMENTAR
ANTUNES, Celso. Como identificar em você e em seus alunos as inteligências múltiplas. 4ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
FREIRE, Paulo. Professora sim / tia não: cartas a quem ousa ensinar. 8ed. São Paulo: Olho D’água.
GAVALDON, Luiza Laforgia. Nós educadores. São Paulo: Loyola, 1998.
LDBEN nº 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional)
PINTO, Maria Alice Leite (org.). Psicopedagogia: diversas faces, múltiplos olhares. 2ed. São Paulo: Olho D’água, 2005.
RUSSO, Maria de Fátima; VIAN, Maria Inês Aguiar. Alfabetização: um processo em construção. 4ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 13ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.
3 comentários:
É impossível, ler este texto e não chegar à conclusão de que o amor para um professor é mais importante que seu diploma. Só conseguirá realizar esta árdua tarefa com dignidade, aquele que de verdade amar o que faz e compreender aqueles que estão ao seu redor. Beijos.
Vanessa, ser professor é de fato ir além do ensinar o bê-a-bá.
É preciso amar muito a profissão, principalmente hoje em dia.
Você é uma excelente professora!
Amei, você escreve muito bem e ressaltou bons pontos, concordo com tudo
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